sexta-feira, maio 12, 2006

O testemunho de quem esteve lá

por Kuraudo Suto, filho da terra do sol nascente

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Como poderia imaginar em 1992 e 1993 que, em 2006, iria escrever um comentário sobre futebol brasileiro no blog dos meus amigos BRASILEIROS... Nem imaginava que iria pro país de futebol, muito menos iria estudar sociologia na ESP.

Porém, sem dúvida alguma aquele futebol-arte que o Telê apresentou no ano do meu primeiro e no segundo colegial marcou muito na minha mente – futebol brasileiro é alegre e cativante. E com a chegada do Zico em 1991, já relativamente ouvia-se o que era ‘futebol brasileiro’ nas revistas de futebol japonesas. Porém, era impossível um craque, Zico, apresentar sozinho futebol-arte (ele jogava na equipe que logo depois tornar-se-ia Kashima), pois o futebol não se joga sozinho. Apesar de que anos mais tarde ele concretizou-o no Kashima Antlers do ponto de vista dos japoneses.

Por ser véspera do ano de J-Ligue (campeonato de futebol japonês) e o primeiro ano desse campeonato, chamou muita atenção Copa-Toyota de 92 e 93. Em 92, a Barça era representante da Europa – uma equipe de estrelas europeus – todos jogavam na seleção dos países europeus. Por outro lado, uma equipe que veio do outro lado do mundo, ou melhor, veio do “cu” do mundo levando-se 24 horas! Eu me lembro claramente que o locutor japonês falava “O São Paulo jogava a cada 2 ou 3 dias no Brasil, então com o intervalo de 1 semana, conseguiu descansar e jogaria bem hoje diante da Barça...” Eu logicamente torcia pelo time do Brasil, não importava de que lugar do Brasil viesse jogar no Japão... eu era doido para ver o futebol brasileiro de perto, até ouvia a narração do locutor brasileiro (o Japão é um país de tecnologia, com um aperto no botão do controle remoto podia ouvir a narração em português....)

Do jogo, eu lembro só do cenário de gols agora, na cobrança de falta, aquele toque sutil que o Raí deu na bola e encobriu do goleiro antes de ‘levar a bola para a rede’, impressionou não só o público japonês mas também os adversários, tanto que os jogadores europeus que formavam barreira ficaram paralizados à toa e vendo a bola sendo “sugado” pela rede. Era suficiente para macular o gol sensacional do atacante da Braça, o Stoikovic. Eu nem lembro qual era primeiro ou segundo gol do Raí, mas lembro com exatidão que o Müller fintou muito lindo o lateral direito fingindo que ia fazer cruzamento com pé direito e deu passe com pé esquerdo pro Raí fazer gol com a barriga!! Diria que o Raí era representante do futebol-arte pro povo japonês. Cada vez que ele estava com a bola, deu impressão de que ele faria algo mágico e surpreso...até hoje tem na minha casa do Japão as fitas de video em que gravei Copa-Toyota de 92 e 93.

Em 93, o jogo contra Milan também era muito dramático e espetacular! Dizia-se que dessa vez o São Paulo nem tinha chance de levantar a taça, pois AC Milan era equipe milionária! O presidente daquela equipe nem se preocupava em gastar dinheiro para poder contratar os jogadores que se destacavam nos campeonatos dos países europeus. Era uma equipe galáctica! Fazia muito tempo que havia a tendência a levar os jogadores que despontavam não só nos países europeus, mas também, especificamente, no Brasil e na Argentina para grandes times da Itália e da Espanha. Era um grande embate entre dinheiro (equipe européia) e uma pura matéria-prima (equipe sul-americana). Eu era pessimista porque sabia mais dos nomes dos jogadores do Milan do que os do São Paulo. Eu sabia dos nomes de 3 a 4 jogadores do São Paulo. Nem sabia quem era Leonardo, camisa 10 do Tricolor muito menos o Palhinha...

Eu acho que tinha mais chances do Milan do que do Tricolor, mas a concentração dos jogadores brasileiros nos momentos decisivos de fazer gol, e não de defender o seu gol, eram impressionante. Farejam e sentem o cheiro de gol. Acho que isso se repetiu no jogo contra o Liverpool em 2005.

Naturalmente, quando foi publicado livro do Telê (eu acho que nenhum brasileiro sabe desse livro!) anos mais tarde no Japão, comprei logo depois do lançamento. Eu gostava de ler os livros do Zico e conhecer as idéias e a visão do craque e ele citava o nome do Telê como mestre. Era único técnico na toda carreira do Zico que não apelava para fazer falta, mesmo que corresse risco de levar gol. Por cima, advertia os japoneses no livro de que jogue como brasileiro, ou seja, jogue com a técnica, maximize a habilidade para superar qualquer adversário. Era a palavra de quem entendia o futebol-arte - o futebol brasileiro.

Sem sombra de dúvida, se o Zico, Telê, Leonardo (ex-sampaulino e da seleção), Zinho (ex-palmeirense e da seleção), Jorginho (ex-flamenguista e o lateral direito da seleção), Careca (ex-atacante da seleção), Dunga (eterno capitão! – que me influenciou bastante) entre outros jogadores brasileiros não tivessem deixado um grande legado no país de sol nascente, eu nem teria vindo para o país de futebol-arte – O Brasil.
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